quinta-feira, 9 de abril de 2015

Jarra de altar



Admiro a capacidade criativa de algumas pessoas  para recuperarem e transformarem objetos.  Eu própria, apesar de pouco habilidosa e pouco paciente gosto de o fazer e por isso mesmo, estou à vontade para dizer que por vezes, os nossos assomos de imaginação estragam objetos que nunca deveriam ser mexidos. É o caso desta jarra de altar transformada, em má hora, numa base de candeeiro.Depois de muito olhar para ela e de a comparar com outras,  coloco a hipótese de lhe terem cortado a parte mais larga do bocal.

A decoração  é uma clara alusão à crucificação de Cristo. No motivo central podemos ver a cruz,  no monte do Calvário ladeada por duas lanças e a legenda “5º Passo”. Uma das lanças, a pontiaguda, será a lança que trespassou o corpo de Cristo e é mencionada no evangelho de S. João (João 19:31 – 36). Era hábito, naquela época, os romanos partirem as pernas dos crucificados para acelerarem a sua morte.
Rubens

Esta prática era conhecida por crurifragium e segundo João, os romanos ao aperceberem-se de que Jesus já estaria morto, desistiram deste hábito mas trespassaram-lhe o flanco para se certificarem da sua morte. A segunda lança terá servido para chegar a Jesus uma esponja embebida numa beberagem, cuja descrição varia conforme os evangelhos.



A legenda “5º Passo” intriga-me. Rapidamente a associei às estações da Via Sacra. No entanto, nesta estação ou passo, Simão de Cirene ajuda Jesus a carregar a cruz e é sempre com estes elementos que este quadro é representado. Qual terá sido então, a relação que pretenderam estabelecer entre estes símbolos da crucificação e a inscrição 5º Passo?


 Ou não terá havido intenção nenhuma? Ocorreu-me agora que esta jarra poderá ter feito parte de algum conjunto  destinado à identificação das estações  da Via Sacra de alguma capela ou igreja.
Quanto à sua origem nada sei. As possibilidades são muitas, mas como não está marcada abstenho-me por completo, preferindo ouvir  opiniões sabedoras e sensatas. No entanto, na busca por informação encontrei esta do Luís e não pude deixar de notar algumas semelhanças decorativas entre as duas.

Na fotografia de cima pode-se ver o orifício por onde passava o fio elétrico. Quero restaurá-la, devolver-lhe a dignidade inicial, mas tenho um certo receio que ao tentarem retirar o bocal metálico, a partam de forma irrecuperável. Eu já tentei fazer esse serviço, mas com a minha faca de cozinha obviamente que não fui longe:)

Já se aperceberam de que a publicação deste post está atrasada. Era minha intenção que coincidisse com as últimas semanas da Quaresma, mas tal não foi possível. Guardá-lo para o ano também não faria sentido.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Francisco Xavier (1917 -2015)

Teve uma vida longa e plena. Nasceu em berço de ouro em plena avenida de Liberdade em Lisboa. Agruras da vida atiram-no a ele, mãe e irmãos para uma aldeia beirã sem água canalizada  nem luz. Tinha ele quinze anos e estudava no liceu Camões. Filho mais velho de seis irmãos transformou-se no homem da casa. Bom  conversador e um grande contador de histórias, sempre falou desses tempos vividos nas serranias da Freita, com um grande sentido de humor. As nossas memórias, as dos filhos e também as dos netos, estão repletas das suas narrativas desses tempos duros, vividos por ele, mas sempre com a tónica na  boa disposição. 
Foi o seu otimismo que o fez rumar a Angola, agora casado e com uma criança de meia dúzia de meses. A viagem demorou treze dias! Ele por lá ficou vinte e cinco anos.Como sempre, angariou o  respeito e consideração de todos os que com ele lidavam e construiu uma vida.  O vinte e cinco de abril interrompeu esta rotina  feliz e tranquila.Sucedeu-se um período de muitas angústias e aflições. Como ele gostava de dizer, começou outra vez pelo garfo e pela colher. Nunca perdeu o aprumo, a honestidade, o cavalheirismo. Talvez por isto tenha reconstituído a vida com relativa facilidade. O tempo passou até sexta-feira passada.
 Agora é a lembrança dele que nos apazigua a tristeza. Sei que o meu pai é  mais do que uma suave recordação. Ele é acima de tudo um exemplo para todos, especialmente para os netos que estão agora a começar a construir  as suas vidas num período com alguma similitude ao da  juventude do seu avô.